Sunday, December 29, 2013

Eu e os outros

Quem somos? Para alguns a resposta não só é simples como também óbvia. E confesso que sempre senti muita inveja dessa gente. Mas além da inveja, outra coisa me perturbava. É curioso como uma deficiência física aparentemente estável e pouco agressiva possa ter efeitos tão nocivos ao mascarar o que realmente importa. Assusta o poder do que é visível, enquanto que muitas vezes a verdadeira questão está bem longe dos olhares curiosos. Isso sempre me foi bastante claro. Mas a consciência de que as pessoas se impressionam tanto com a singela pirotecnia antiestética da minha deficiência conseguiu turvar os meus conceitos sobre o que ela realmente representa. Às vezes o excesso de clareza é extremamente confuso.

Saturday, December 28, 2013

O vendedor de carros usados

Acho engraçado quando alguém com um estereótipo negativo não faz esforço algum pra se descolar dele. O vendedor de carros usados é um exemplo clássico da literatura econômica sobre assimetria de informações. Apesar do nome bonito, o conceito é tão simples quanto genial e eminentemente humano. Aliás a economia me fascina por fazer desses padrões inerentes às interações humanas, elegantes fórmulas matemáticas.

 Digressões à parte, na transação comercial de um carro usado, o vendedor tem mais acesso à informações relevantes ao negócio que o comprador. Ele sabe se o carro foi batido e reparado, se tem aquele problema mecânico intermitente, etc. Mas sabe sobretudo, como tratou o carro no tempo em que foi o proprietário (se fez as manutenções devidas no tempo certo, se se preocupou em não usar gasolina vagabunda pra economizar uns centavos e se era cuidadoso ao dirigir, poupando a máquina de desgastes desnecessários).

 Essa assimetria de informações tem alguns efeitos interessantes e deletérios. E neste ponto a teoria dos jogos entra de forma brilhante. O vendedor sabe que tem informações relevantes sobre as quais tem exclusividade. Sabe também que mesmo utilizando todos os mecanismos disponíveis, o comprador não terá acesso a estas informações. Assim, o vendedor está seguro de estar em vantagem. Por isso, não há incentivo algum para que os cuidados com o carro sejam feitos adequadamente (pelo menos não do ponto de vista comercial).

 O problema, ou solução, é que via de regra o comprador sabe o que não sabe. E sabe também o que não tem como saber, e que o vendedor pode omitir essas informações sem nenhum prejuízo para si (a moral cristã não é muito popular nesses casos). Por isso, também não está disposto a pagar muito por um bem relativamente caro do qual possui uma compreensão limitada. Este é um dos fatores que puxa o preço de todos os carros usados para baixo e o mercado é chamado carinhosamente de "lemon market", porque a compra pode ter um fim azedo.

 Voltando a aquele vendedor. Seria inteligente para que não haja destruição de valor (preço que o comprador se dispõe a pagar), evitar qualquer comportamento que desse margem à desconfiança de que há algo errado. E no entanto, ao menos os últimos vendedores de carros usados com quem tive o desprazer de interagir não fizeram questão nenhuma de evitar estes comportamentos. O que me traz a uma conclusão pouco auspiciosa, e que denota uma visão negativa do ser humano em geral (desculpe por terminar o texto em tom menor).

O ser humano é muitas vezes prisioneiro do seu egoísmo ou auto-interesse. E assim acaba por não extrair o benefício potencial total das transações, comprometendo a própria satisfação e, no fim das contas, utilidade.

Friday, December 27, 2013

Felicidade pré-frontal

Que o bem-estar tem uma química correspondente ninguém duvida. Todas as drogas recreativas se baseiam neste mecanismo pra servirem ao que servem. Mas e quando a questão não é recreativa? E o desvio, o distúrbio, o problema, a infelicidade crônica? O que são? Até onde dá pra manipular e consertar o que parece quebrado? Essa talvez tenha sido a pergunta mais recorrente da minha vida e hoje cheguei a um lugar onde posso responder (ao menos pra mim). Pego um princípio da minha odiada psicoterapia profunda (qualquer escola) porque acho que este lá é válido (apesar de no fundo não acrescentar muita coisa em termos práticos). Mas o fato é que tratar sintoma, principalmente dor, é algo que não costuma funcionar se a causa fica solta por aí aprontando das suas. Isso também não quer dizer que a dor deva ser deixada em paz pra destruir a vida de alguém. E não quer dizer que toda a existência tenha que ser examinada e processada. Isso é impossível, leva uma vida toda e muito dinheiro embora. Da minha saga eu percebo a inépcia dos supostos indivíduos preparados em perceber a diferença entre a dor útil e que preserva, daquela que é simplesmente uma aberração (e pra mim, é uma aberração pelo simples fato de não prestar nenhum serviço a quem a carrega). to be continued...

Buscadores de padrões e sentido

Consciência pode trazer liberdade. Não é imediato e nem inevitável. Mas a consciência da necessidade pode separar a gente dela. Temos a necessidade, mas não necessariamente a necessidade nos tem.

Apesar de considerar a psicoterapia profunda uma enorme, cara e perigosa falácia, concordo que haja um espaço diminuto entre nossos anseios e a ação no sentido de satisfazê-los. Isso talvez não seja só espaço, mas sobretudo tempo. E a única liberdade que existe mora exatamente aí.

Dimensão do mágico

Tendo a achar que a dimensão do sobrenatural e fantástico é inversamente proporcional à felicidade do caboclo. Essa constatação dá origem a outra, etimológica. Se a felicidade é inversamente proporcional ao sobrenatural, é porque de fato achamos que ela seja absolutamente natural. E sendo assim, a chance de quebrarmos a cara é bastante representativa. E aí os mecanismos de distorção de percepção se fazem tão necessários quanto fascinantes.

Here we go again

Sempre gostei de escrever como sempre gostei de desenhar. Mas provavelmente tenho alguma aptidão só para as palavras. Ali meus traços obsessivos se traduzem em uma elegância fabricada por polimento infindável. Meu espaço mental me deu tempo. E um pouco dele eu despejo nessas páginas.