Sunday, January 5, 2014

Pra não dizer que não falei das flores

Essa postagem curta é só pra dizer que esse blog não é sobre deficiência. Não levanto esta bandeira, até porque acho que bandeiras só têm que ser levantadas se há algo errado. Não gosto da conversa fiada de super eficiência e nem de superação. Superamos a gravidade todos os dias em que não damos com a cara no chão e ninguém fica de papo furado sobre isso.

Juro que ainda tenho aquela doença incurável

Gozado como as experiências da vida, especialmente as desagradáveis, tendem a se repetir muitas vezes, com pequenas adaptações. Quando era pequeno, ia a cada seis meses ao hospital do servidor público estadual. Naquela época eu já tinha uma deficiência incurável.

Mesmo assim, a cada seis meses eu tinha que dar o ar da minha graça naquele ambiente que talvez tenha sido dos primeiros que aprendi a odiar. O intuito era comprovar àqueles médicos em suas cadeiras de plástico atrás de divisórias de Eucatex que eu continuava tendo uma deficiência incurável. Não sei onde eles eram formados, mas acho que saber que o cérebro via de regra não se regenera não é privilégio do pessoal de Harvard ou da Johns Hopkins.

Assim, o Estado de São Paulo poderia continuar subsidiando meu tratamento de fisioterapia. Esse tratamento era feito numa clínica particular no Morumbi (que eu também odiei até uma certa altura) e que apesar de não poder, cobrava dos pacientes além do que o Estado pagava. Seria fácil apenas criticar a dona da clínica (que eu também odiei até certa altura da vida). Mas hoje eu sei que o Estado volta e meia não pagava o que devia aos prestadores de serviços médicos e também não reajustava a tabela de preço desses serviços. De modo que para a clínica, esta prática meio controversa devia ser questão de sobrevivência (assim espero).

Então, para mim a conta era claramente desfavorável. Minha mãe ainda tinha que pagar, e caro, pelo tratamento. E eu tinha que ir a cada 6 meses àquele hospital que me parecia medonho, atravessando salas em reforma cheias de pessoas doentes e muitas vezes muito pobres, para mostrar que minha doença incurável era de fato incurável. Era como se o Estado contasse com um milagre que nunca vinha (e até hoje não veio). Do contrário, perdíamos tempo eu, minha mãe e aquela cambada de médicos que canetava os papéis.

Chegando à vida adulta muita coisa mudou. Eu não odiava mais a fisioterapia. Na verdade ela havia se tornado uma fonte de apoio (que sempre pretendeu ser, mas que demorei muito a sentir como tal). Agora era hora de ter um carro, ser livre na vida. Mas não tão rápido. O Estado de novo seria bondoso por causa da minha deficiência. Me deixaria livre dos seus abusivos tributos sobre esse meio de transporte que devia mudar (e mudou) minha vida. Mas pra realizar este sonho, muitas etapas desagradáveis tinham que ser vencidas.

Novamente, eu teria que ser avaliado por um médico específico, o do Detran, para entrar com aquela montanha de papel que ao cabo de muitos meses de espera me dariam o direito a comprar um carro com preço mais parecido ao que ele realmente valia. Caro leitor que teve paciência de chegar até aqui: você pode estar se perguntando por que eu reclamo de algo que pra todos os efeitos são (e sempre foram) privilégios. Eu mesmo me faço essa pergunta e não obtenho uma resposta satisfatória. Concretamente, passar por essas vistorias inócuas feitas por pessoas a quem não conhecia (e que não podem ser quaisquer médicos, ainda que estes outros fossem muito melhores e mais bem formados) para ter direito à isenção substancial de impostos não devia ser algo tão ruim.

Confesso que já pensei muito no assunto e racionalmente não faz sentido. Contudo, eu sigo tomando decisões irracionais. A cada novo carro que eu compro, não solicito isenção alguma. Eu sei, isso é uma grande tolice. É dinheiro certo pra fazer o que eu quiser, renda disponível adicional. Ainda assim, talvez por agora ter escolha, troco toda essa subvenção estatal à minha deficiência pela sensação gloriosa de dignidade de me recusar a continuar provando eternamente uma doença que ao que tudo indica é a única coisa em mim que jamais mudou e jamais mudará.

Friday, January 3, 2014

Quando eu tiver 18 você vai ter 25

Fico impressionado como aos quase 33, eu continuo aprendendo coisas básicas como escovar direito os dentes ou o método padrão de passar uma camisa. Por um lado eu esperava mais de mim mesmo. Por outro, é gostoso ter o olhar de uma criança pequena sobre bobagens da vida cotidiana. Meus primos são 6 e 7 anos mais velhos que eu. E essa diferença que hoje perdeu bastante importância, era crucial quando eu tinha 7 e eles 13. Ou mais ainda, quando eu tinha 12, e eles os tão sonhados 18, eram maiores de idade e tinham cada um o seu próprio carro. Talvez por isso eu fizesse tantas vezes essas contas: quando eu tiver 18, você vai ter 25. Quando eu tiver 25, você vai ter 32. Agora eu tenho 33, e nenhuma das minhas fantasias aritméticas se realizou (apesar de os números sim, serem sempre exatos). A vida e os nossos relacionamentos foram sempre muito diferentes do que eu imaginava e mais ainda, do que eu queria. Tenho quase 33 anos, meu irmão caçula já é médico. E eu finalmente aprendi a escovar os dentes e a passar uma camisa direito.